Antes do final do dia
Será necessário acreditar de novo, antes que o
dia acabe. Acreditar na esperança. Teimar com a verdade. Insistir na
liberdade. Fazer jus a lucidez, quando for absolutamente necessário
escolher caminhos.
Antes que o dia acabe, é preciso aprender a
lidar com as urgências para que elas desocupem as vagas. Há que se tomar
decisões sem tropeções. Há que se cotar o valor das coisas importantes e
com isso, fazer uma reserva considerável dos imprescindíveis para quando os invernos surgirem.
Antes que o dia acabe que ouse morar no tempo, todos os minutos
possíveis de escapismo para render poesia. Que se deseje claridade para
enxergar o cenário, sem contudo ser cruel, caso ele se apresente frio,
desbotado e enfadonho. Que não se abandone o lugar pela falta de cor.
Antes que o dia acabe, que dê tempo para acolher o arrependimento das
palavras que foram ditas no escândalo da incerteza. Que o relógio voe
tão rápido para não haver tempo de abandonos, sem antes ter tentado
todas as alternativas.
Antes que chegue ao final do dia será
preciso passar as lições a limpo, uma a uma para não estilhaçar as
verdades contidas e que dão sentido aquilo que até então foi vivido. Que
ninguém descarte a dúvida que instiga rendição ao que não está na
superfície. E seja como for, que se mergulhe no enfrentamento da
solidão, sem terceirizar e dar crédito ao outro pela culpa da vã
interpretação do necessário vazio que ronda nessa antessala da vida.
Antes que o dia vá dormir, que se estabeleça o óbvio, vinculado a
besta mania de pensar inclusive besteiras, com a maior naturalidade
porque não há privação para a dor, o amor, o enfrentamento dos
problemas, que sinalizam um estado não anestesiado para o lícito.
Antes que o dia se despeça de uma vez, ninguém fará uso de provas
contundentes, protagonizada com a infeliz mania de mostrar a alma sem
nenhuma necessidade. Seria doloroso explicar o que é mais delicado
descobrir com a naturalidade de uma convivência saudável mesmo que surja
ora enrugada, ora esticada, ora encolhida. Essa é a preciosa verdade
desobstruída de comodismo.
Antes que o dia escureça não esqueça,
não represente, não abandone, não tropece, sem aproveitar a essência de
cada ato. Para viver bem o dia não há imunidade que valha a pena.
Ita Portugal
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