Lado a lado com a espécie humana corra outra raça de seres, os inumanos,
a raça dos artistas que, incitados por desconhecidos impulsos, tomam a
massa sem vida da humanidade e, pela febre e pelo fermento com que a
impregnam, transformam a massa úmida em pão, e o pão em vinho, e o vinho
em canção. Do composto morto e da escória inerte criam uma canção que
contagia. Vejo esta outra raça de indivíduos esquadrinhando o universo,
virando tudo de cabeça para baixo, os pés sempre se movendo em sangue e
lágrimas, as mãos sempre vazias, sempre se estendendo na tentativa de
agarrar o além, o deus inatingível: matando tudo ao seu alcance que lhe
rói as entranhas (...) Um homem que pertence a essa raça precisa ficar
em pé no lugar alto, com palavras desconexas na boca, e arrancar as
próprias entranhas. É certo e justo, porque ele precisa! E tudo quanto
fique aquém dessa aterrorizador espetáculo, tudo quanto seja menos
sobressaltante, menos tetrificante, menos louco, menos delirante, menos
contagiante, não é arte. O resto é falsificação. O resto é humano. O
resto pertence à vida e à ausência de vida.
Henry Miller
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