"Feliz por nada, nada mesmo? Talvez passe pela total despreocupação com
essa busca. Essa tal de felicidade inferniza. “Faça isso, faça aquilo”. A
troco? Quem garante que todos chegam lá pelo mesmo
caminho?Particularmente, gosto de quem tem compromisso com a alegria,
que procura relativizar as chatices diárias e se concentrar no que
importa pra valer, e assim alivia o seu cotidiano e não atormenta o dos
outros. Mas não estando alegre, é possível ser feliz também. Não estando
“realizado”, também. Estando triste, felicíssimo igual. Porque
felicidade é calma. Consciência. É ter talento para aturar o inevitável,
é tirar algum proveito do imprevisto, é ficar debochadamente assombrado
consigo próprio: como é que eu me meti nessa, como é que foi acontecer
comigo? Pois é, são os efeitos colaterais de se estar vivo. Benditos os
que conseguem se deixar em paz. Os que não se cobram por não terem
cumprido suas resoluções, que não se culpam por terem falhado, não se
torturam por terem sido contraditórios, não se punem por não terem sido
perfeitos. Apenas fazem o melhor que podem. Se é para ser mestre em
alguma coisa, então que sejamos mestres em nos libertar da patrulha do
pensamento. De querer se adequar à sociedade e ao mesmo tempo ser livre.
Adequação e liberdade simultaneamente? É uma senhora ambição. Demanda a
energia de uma usina. Para que se consumir tanto? A vida não é um
questionário de Proust. Você não precisa ter que responder ao mundo
quais são suas qualidades, sua cor preferida, seu prato favorito, que
bicho seria. Que mania de se autoconhecer. Chega de se autoconhecer.
Você é o que é, um imperfeito bem-intencionado e que muda de opinião sem
a menor culpa. Ser feliz por nada talvez seja isso."
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